17/12/2018 - Parecer da Receita Federal facilita inclusão de terceiros em cobranças.
A Receita Federal publicou uma orientação para seus fiscais que amplia as possibilidades de inclusão de terceiros, como responsáveis solidários, em autuações tributárias. Pelo Parecer Normativo nº 4, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), qualquer pessoa com interesse na situação que gerou a cobrança poderá ser responsabilizada – não só sócios e administradores.
O texto também elenca situações. Traz três: quando existir abuso de personalidade jurídica, evasão fiscal e simulação de atos por terceiros ou planejamento tributário considerado abusivo.
Para um advogado especialista, o parecer dá margem para que qualquer um que participe de um planejamento tributário considerado abusivo, por exemplo, possa ser responsabilizado – como gestores e administradores de fundos de investimento em participações e adquirentes de ações, além de vendedores que tenham ganho de capital. Com a norma, acrescenta, a tendência é aumentar o número de execuções com pessoas integrando, de forma ilegal, o polo passivo.
Essa é a terceira sinalização da Receita Federal, em menos de um mês, que indica que a fiscalização deverá fechar ainda mais o cerco aos contribuintes para o pagamento de dívidas tributárias. No dia 14 de novembro, o órgão publicou a Portaria nº 1.750, que autoriza a divulgação, em seu site, das representações encaminhadas ao Ministério Público Federal contra suspeitos de cometerem crimes contra a ordem tributária e a Previdência Social. A portaria tem por base a Lei de Acesso à Informação (nº 12.527) e transparência fiscal.
A Receita também realizou uma consulta pública, encerrada no dia 6 deste mês, para elaborar uma nova instrução normativa para tratar da indicação de terceiros em outros momentos, e não só naquele em que o fiscal lavra o auto de infração, como é atualmente.
Apesar do Parecer Normativo nº 4 ter sido fundamentado no artigo 124, inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN), advogados tributaristas afirmam que as situações elencadas para a responsabilização de terceiros extrapolam o que estabelece o dispositivo e baseiam-se em decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre temas controvertidos.
O artigo 124, inciso I, determina que podem ser consideradas responsáveis solidárias "as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal". Porém, segundo outra advogada, não há no CTN uma definição sobre o que seria esse interesse comum, o que deu margem para uma interpretação mais abrangente da Receita.
Mas a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), destaca a advogada, traz uma definição: interesse comum não se trata de interesse meramente econômico, mas um interesse jurídico comprovado com intenção de participar daquele ato. "O que nos preocupa nesse parecer é que existem situações elencadas de caráter exemplificativo, que dependeriam de um forte contexto comprobatório, e que podem induzir ou estimular autuações", diz a advogada.
Pelo parecer normativo, "a responsabilidade tributária solidária pode decorrer de interesse comum da pessoa responsabilizada na situação vinculada ao fato jurídico tributário, que pode ser tanto o ato lícito que gerou a obrigação tributária como o ilícito que a desfigurou". Para tanto, segundo o texto, deve-se comprovar que a pessoa a ser responsabilizada tenha vínculo com o ato e com a pessoa do contribuinte ou do responsável por substituição.
O texto traz os tipos de atos ilícitos que podem ensejar a responsabilização. O primeiro deles trata do abuso da personalidade jurídica, "em que se desrespeita a autonomia patrimonial e operacional das pessoas jurídicas mediante direção única (grupo econômico irregular)".
Para o advogado especialista, o simples fato do grupo econômico ter uma direção única não significa que exista abuso de personalidade jurídica e confusão patrimonial. "Isso precisaria ser melhor explicado porque é muito comum que um grupo tenha o mesmo controlador. E não significa que há qualquer irregularidade", afirma.
O parecer, não pode extrapolar o que diz o CTN e o Código Civil e tentar responsabilizar qualquer um do grupo econômico para satisfazer uma dívida tributária. "Isso está virando uma onda no direito tributário, mas não tem base legal e não condiz com a jurisprudência do STJ", diz o advogado.
Como segunda situação aparece "evasão e simulação e demais atos deles decorrentes". E em terceiro está "abuso de personalidade jurídica pela sua utilização para operações realizadas com o intuito de acarretar a supressão ou a redução de tributos mediante manipulação artificial do fato gerador (planejamento tributário abusivo)".
Fonte: VALOR ECONÔMICO - LEGISLAÇÃO & TRIBUTOS.